Por Denny Guimarães
Professor voluntário da Escola
de Filosofia Nova Acrópole
Assim como ocorre com diversas palavras hoje, a conceituação de mito sofreu deturpações ao longo da história. O filósofo ateniense Platão nomeava essa deturpação de logofobia, ou seja, a perda do sentido das palavras.
Hoje, quando se fala em mito, associa-se esse conceito há uma série de fatores. Um deles, a que mito significa mentira, uma fantasia, uma historinha criada para as crianças. Um outro fator seria uma forma de povos primitivos (que não possuiriam conhecimento erudito suficiente) tentarem entender o mundo. Também é associado às religiões, que tentariam explicar, de forma também um pouco fantasiosa, visto que se basearia em crenças, fenômenos da vida do ser humano. Também pode-se ver a associação de mito a pessoas, principalmente celebridades como artistas, esportistas etc. E assim, cada um terá uma explicação diferente para o que é um mito.
A origem desse sistema de mitos é pouco conhecido, mas que teria surgido a milhares de anos por meio de grandes mestres de sabedoria da humanidade que deixaram como legado para esta um modelo ideal de como é um ser humano. Para compreender esse ideal de vida do ser humano, exige-se muito esforço individual também, por isso um mito não é facilmente compreendido.
Mas há um fato que é certo: mito não está dissociado de história. Um depende do outro, mas cada um possui uma finalidade diferente.
I) O mito e a História
A História narra os fatos, de forma cronológica: data, local, personagens etc. São muito importantes, porém fica só nisso, o que pode gerar uma falha por parte de quem vai interpretar a História, pois essa pessoa o fará de acordo com seu ponto de vista. Olhem só esse exemplo: “um crime é cometido; um homem uma uma velhinha; em seguida descobre-se que a velhinha era uma traficante de drogas e que o homem era policial. Sendo assim, o policial estava cumprindo com seu dever. Mas a velhinha estava traficando para alimentar seus netos”... E agora? Como julgar essa situação? Em cada momento, a opinião de cada um que ouve essa narração varia de acordo com a situação. Isso é para mostrar que com a história ocorrer o mesmo: uma parcialidade na sua interpretação. Sendo assim, só olhar os fatos, ou seja, a História, a verdade não existirá, é falho.
Saber a geografia do lugar, a política etc é importante, mas só fica nisso e a História parece algo ilógico muitas vezes. Fica faltando um porquê de tudo acontecer como acontece. É esse o papel que cabe aos mitos.
II) O sentido dos mitos
Imagine um trem muito bonito. Nesse trem há uma locomotiva onde o piloto cuida dos comando de todo o trem. Comandar o trem gera um bom status social, afinal, o “poder” dos trem está em quem a pilota. Sendo assim, muitos querem ser piloto do trem.
O primeiro vagão desse trem é muito luxuoso. As cadeiras são bastante confortáveis, macias, feitas com penas de ganso, com acabamento em ouro... São também reclináveis. O restaurante é de 1ª linha: um grande Buffet livre para os passageiros desse vagão. Cada passageiro tem a sua própria TV, com diversos canais para escolher e também um computador de última geração, com internet em alta velocidade. Mas tem, também, a opção de um cinema exclusivo para passageiros desse vagão. Enfim, tudo de 1ª qualidade.
Há um segundo vagão, onde as poltronas são boas, confortáveis e de cores diversas. Com relação à alimentação, há de tudo. Pode-se comer bem. Cada passageiro consegue escolher alguns aparatos tecnológicos, de acordo com seu desejo e satisfação. É um bom vagão, mas, mesmo assim, muitos dos passageiros deste gostariam de estar no primeiro vagão.
O trem possui também um terceiro vagão. neste, a situação não é boa. Os bancos estão velhos e sacodem como se fossem cair com o andar do trem. Não há conforto. A comida é limitada. Alguns até passam fome. É uma situação bem precária.
Pergunta-se: qual o grande problema desse trem? Obviamente a resposta é essa desigualdade. Todos deveriam ter direito a ter as mesmas condições que os passageiros do primeiro vagão (1ª classe). O maquinista até tenta, mas não cabem todos lá... e o problema continua. Esse é a história do trem.
Mas há algo muito maior que não foi falado. Se andarmos pelos corredores desse trem, passando por todos os vagões, perceberemos um olhar de angústia e de medo em cada passageiro. Por quê? Simplesmente porque ninguém sabe de onde esse trem veio e nem pra onde ele vai. Não se sabe que está indo para um destino grandioso ou se vai cair num precipício. E pior, nem o maquinista sabe, visto que o bom mesmo é só ter a máquina nas mãos, como uma ilusão de poder. Para responder a essas indagações de onde o trem veio e para onde vai, surge o mito. A história mostra os efeitos (fatos) e a mitologia explica as causas. Se olharmos só os fatos, parece que nada tem sentido, parece algo caótico. E se desconhecemos de onde o trem veio e para onde vai, acabamos desconhecendo a verdadeira história do trem.
Para entender a história de um pouco, funciona da mesma forma. Perceba Roma, por exemplo: inicialmente, a região era um pântano que abrigou os sobreviventes da Guerra de Tróia. Se perguntássemos àquelas pessoas que lá estavam quem elas eram, a resposta seria algo como “somos a maior civilização que este mundo já teve”. Ao olhar a história daquelas pessoas e como viviam naquele momento, acharíamos graça. Mas os fatos que vieram depois na história mostraram que realmente Roma foi grandiosa. O que moveu aquelas pessoas a fazerem com que Roma fosse uma grande civilização? Com certeza, o mito. Os romanos acreditavam que eram filhos de Vênus (dos deuses) e que vieram civilizar o mundo. Ou seja, sabiam de onde vieram (dos deuses) e para onde iriam (civilizar o mundo). O resto é simplesmente história. Enquanto os romanos lembravam de seus mitos, foram grandes. Quando esqueceram, Roma entrou em decadência.Se conhecemos o mito que move um povo, entendemos muito a sua história. É por isso que Mitologia e História estão intimamente ligadas e complementam-se. A História é o como e a Mitologia é o porquê. Os mitos geram os fatos.
Os mitos dão sentido à História. São arquétipos, como diria Platão, ou seja, são modelos cuja ideia se segue para se concretizar algo. Um exemplo bem simples e prático: Se vamos fazer uma mesa, fazemos um esboço, um desenho do que ela virá a ser. Com uma calça comprida, a mesma coisa. Mas a construção da mesa e da calça somente são possíveis se existirem os seus moldes ou desenhos, ou seja, os modelos. Um modelo não é idêntico à sua manifestação concreta, mas, ao ser preenchido de matéria, ele se torna aquele objeto. Tudo no universo tem um arquétipo e, consequentemente, tem seu mito, desde um objeto até acontecimentos.
III) Os mitos hoje e a falta de visão simbólica
Agora, surge uma questão: se tudo tem um mito, qual é o nosso hoje, enquanto indivíduos, enquanto povo e enquanto humanidade? Essa é uma pergunta que requer a ajuda dos símbolos, que são uma forma de “termos” os mitos em nossas mãos. Sendo assim, percebemos que hoje temos dificuldades em perceber nossos verdadeiros mitos por não termos uma visão simbólica da vida. Tudo ao nosso redor nos quer dizer algo. E se ficarmos atentos a tudo isso, perceberemos que há símbolos atemporais e universais, ou seja, que servem para todos os homens independentemente do tempo, espaço, condição social, etnia, crença etc. Esses serão os verdadeiros mitos da humanidade.
Chamo de “verdadeiros” porque hoje confundimos com nossos “mitos” temporais, pois vemos a vida de acordo ao nosso ponto de vista. E sob nosso olhar histórico, o melhor para o ser humano é ter conforto, alimentação farta, carinho, bom emprego, dinheiro, sentir-se seguro, status, carro do ano, casamento, filhos... enfim, as satisfações pessoais em geral. E tendo essas coisas, medimos a felicidade de uma pessoa. Porém, como foi falado, tudo isso é somente uma história de vida. São conquistas pessoais, e poderia dizer que um animal quer tudo isso também. Não são conquistas e mitos do ser humano.
IV) Considerações finais
Devemos viver os verdadeiros mitos, que nada mais são os mitos do Universo. Quando os nossos mitos e os mitos do Universo coincidem, fazemos História; se não coincidem, não somos ninguém. É uma questão de Ser ou Não-ser, como diria o escritor William Shakespeare.
Somos fruto do que pensamos; e a cidade, o país e o mundo são um reflexo de nossos pensamentos. Serão melhores quanto melhores forem nossos mitos.
Professor voluntário da Escola
de Filosofia Nova Acrópole
Assim como ocorre com diversas palavras hoje, a conceituação de mito sofreu deturpações ao longo da história. O filósofo ateniense Platão nomeava essa deturpação de logofobia, ou seja, a perda do sentido das palavras.
Hoje, quando se fala em mito, associa-se esse conceito há uma série de fatores. Um deles, a que mito significa mentira, uma fantasia, uma historinha criada para as crianças. Um outro fator seria uma forma de povos primitivos (que não possuiriam conhecimento erudito suficiente) tentarem entender o mundo. Também é associado às religiões, que tentariam explicar, de forma também um pouco fantasiosa, visto que se basearia em crenças, fenômenos da vida do ser humano. Também pode-se ver a associação de mito a pessoas, principalmente celebridades como artistas, esportistas etc. E assim, cada um terá uma explicação diferente para o que é um mito.
A origem desse sistema de mitos é pouco conhecido, mas que teria surgido a milhares de anos por meio de grandes mestres de sabedoria da humanidade que deixaram como legado para esta um modelo ideal de como é um ser humano. Para compreender esse ideal de vida do ser humano, exige-se muito esforço individual também, por isso um mito não é facilmente compreendido.
Mas há um fato que é certo: mito não está dissociado de história. Um depende do outro, mas cada um possui uma finalidade diferente.
I) O mito e a História
A História narra os fatos, de forma cronológica: data, local, personagens etc. São muito importantes, porém fica só nisso, o que pode gerar uma falha por parte de quem vai interpretar a História, pois essa pessoa o fará de acordo com seu ponto de vista. Olhem só esse exemplo: “um crime é cometido; um homem uma uma velhinha; em seguida descobre-se que a velhinha era uma traficante de drogas e que o homem era policial. Sendo assim, o policial estava cumprindo com seu dever. Mas a velhinha estava traficando para alimentar seus netos”... E agora? Como julgar essa situação? Em cada momento, a opinião de cada um que ouve essa narração varia de acordo com a situação. Isso é para mostrar que com a história ocorrer o mesmo: uma parcialidade na sua interpretação. Sendo assim, só olhar os fatos, ou seja, a História, a verdade não existirá, é falho.
Saber a geografia do lugar, a política etc é importante, mas só fica nisso e a História parece algo ilógico muitas vezes. Fica faltando um porquê de tudo acontecer como acontece. É esse o papel que cabe aos mitos.
II) O sentido dos mitos
Imagine um trem muito bonito. Nesse trem há uma locomotiva onde o piloto cuida dos comando de todo o trem. Comandar o trem gera um bom status social, afinal, o “poder” dos trem está em quem a pilota. Sendo assim, muitos querem ser piloto do trem.
O primeiro vagão desse trem é muito luxuoso. As cadeiras são bastante confortáveis, macias, feitas com penas de ganso, com acabamento em ouro... São também reclináveis. O restaurante é de 1ª linha: um grande Buffet livre para os passageiros desse vagão. Cada passageiro tem a sua própria TV, com diversos canais para escolher e também um computador de última geração, com internet em alta velocidade. Mas tem, também, a opção de um cinema exclusivo para passageiros desse vagão. Enfim, tudo de 1ª qualidade.
Há um segundo vagão, onde as poltronas são boas, confortáveis e de cores diversas. Com relação à alimentação, há de tudo. Pode-se comer bem. Cada passageiro consegue escolher alguns aparatos tecnológicos, de acordo com seu desejo e satisfação. É um bom vagão, mas, mesmo assim, muitos dos passageiros deste gostariam de estar no primeiro vagão.
O trem possui também um terceiro vagão. neste, a situação não é boa. Os bancos estão velhos e sacodem como se fossem cair com o andar do trem. Não há conforto. A comida é limitada. Alguns até passam fome. É uma situação bem precária.
Pergunta-se: qual o grande problema desse trem? Obviamente a resposta é essa desigualdade. Todos deveriam ter direito a ter as mesmas condições que os passageiros do primeiro vagão (1ª classe). O maquinista até tenta, mas não cabem todos lá... e o problema continua. Esse é a história do trem.
Mas há algo muito maior que não foi falado. Se andarmos pelos corredores desse trem, passando por todos os vagões, perceberemos um olhar de angústia e de medo em cada passageiro. Por quê? Simplesmente porque ninguém sabe de onde esse trem veio e nem pra onde ele vai. Não se sabe que está indo para um destino grandioso ou se vai cair num precipício. E pior, nem o maquinista sabe, visto que o bom mesmo é só ter a máquina nas mãos, como uma ilusão de poder. Para responder a essas indagações de onde o trem veio e para onde vai, surge o mito. A história mostra os efeitos (fatos) e a mitologia explica as causas. Se olharmos só os fatos, parece que nada tem sentido, parece algo caótico. E se desconhecemos de onde o trem veio e para onde vai, acabamos desconhecendo a verdadeira história do trem.
Para entender a história de um pouco, funciona da mesma forma. Perceba Roma, por exemplo: inicialmente, a região era um pântano que abrigou os sobreviventes da Guerra de Tróia. Se perguntássemos àquelas pessoas que lá estavam quem elas eram, a resposta seria algo como “somos a maior civilização que este mundo já teve”. Ao olhar a história daquelas pessoas e como viviam naquele momento, acharíamos graça. Mas os fatos que vieram depois na história mostraram que realmente Roma foi grandiosa. O que moveu aquelas pessoas a fazerem com que Roma fosse uma grande civilização? Com certeza, o mito. Os romanos acreditavam que eram filhos de Vênus (dos deuses) e que vieram civilizar o mundo. Ou seja, sabiam de onde vieram (dos deuses) e para onde iriam (civilizar o mundo). O resto é simplesmente história. Enquanto os romanos lembravam de seus mitos, foram grandes. Quando esqueceram, Roma entrou em decadência.Se conhecemos o mito que move um povo, entendemos muito a sua história. É por isso que Mitologia e História estão intimamente ligadas e complementam-se. A História é o como e a Mitologia é o porquê. Os mitos geram os fatos.
Os mitos dão sentido à História. São arquétipos, como diria Platão, ou seja, são modelos cuja ideia se segue para se concretizar algo. Um exemplo bem simples e prático: Se vamos fazer uma mesa, fazemos um esboço, um desenho do que ela virá a ser. Com uma calça comprida, a mesma coisa. Mas a construção da mesa e da calça somente são possíveis se existirem os seus moldes ou desenhos, ou seja, os modelos. Um modelo não é idêntico à sua manifestação concreta, mas, ao ser preenchido de matéria, ele se torna aquele objeto. Tudo no universo tem um arquétipo e, consequentemente, tem seu mito, desde um objeto até acontecimentos.
III) Os mitos hoje e a falta de visão simbólica
Agora, surge uma questão: se tudo tem um mito, qual é o nosso hoje, enquanto indivíduos, enquanto povo e enquanto humanidade? Essa é uma pergunta que requer a ajuda dos símbolos, que são uma forma de “termos” os mitos em nossas mãos. Sendo assim, percebemos que hoje temos dificuldades em perceber nossos verdadeiros mitos por não termos uma visão simbólica da vida. Tudo ao nosso redor nos quer dizer algo. E se ficarmos atentos a tudo isso, perceberemos que há símbolos atemporais e universais, ou seja, que servem para todos os homens independentemente do tempo, espaço, condição social, etnia, crença etc. Esses serão os verdadeiros mitos da humanidade.
Chamo de “verdadeiros” porque hoje confundimos com nossos “mitos” temporais, pois vemos a vida de acordo ao nosso ponto de vista. E sob nosso olhar histórico, o melhor para o ser humano é ter conforto, alimentação farta, carinho, bom emprego, dinheiro, sentir-se seguro, status, carro do ano, casamento, filhos... enfim, as satisfações pessoais em geral. E tendo essas coisas, medimos a felicidade de uma pessoa. Porém, como foi falado, tudo isso é somente uma história de vida. São conquistas pessoais, e poderia dizer que um animal quer tudo isso também. Não são conquistas e mitos do ser humano.
IV) Considerações finais
Devemos viver os verdadeiros mitos, que nada mais são os mitos do Universo. Quando os nossos mitos e os mitos do Universo coincidem, fazemos História; se não coincidem, não somos ninguém. É uma questão de Ser ou Não-ser, como diria o escritor William Shakespeare.
Somos fruto do que pensamos; e a cidade, o país e o mundo são um reflexo de nossos pensamentos. Serão melhores quanto melhores forem nossos mitos.
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